Formar e pesquisar para que?
Resumo
Neste primeiro número de 2018, a revista Ensaio: Avaliação e Politicas Públicas em Educação apresenta aos seus leitores uma gama de artigos que discutem temas e objetos do campo educacional que sao de grande importância para a nossa e para outras realidades.
As pesquisas aqui publicadas buscam expor um conjunto de saberes que visam à disseminação de conhecimentos variados – como formação de professores, gestao democratica do ensino público, educação especial, Prova Brasil, formação de pesquisadores, Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), educação do campo, práticas educacionais abertas e neurociencias –, temas cada vez mais complexos e mais pesquisados. Essa multiplicidade de abordagens reforca a pluralidade da Ensaio, linha pela qual a revista tem se pautado e se destacado na area da Educação. Esse destaque foi confirmado com a atribuicao de conceito A1 da Capes no último quadrienio (2013–2016), reconhecendo o esforco da equipe editorial e a qualidade dos artigos que publicamos, que visam, sobretudo, colaborar com o debate na area da Educação.
Contudo, vale frisar que este número acabou por convergir com um topico recorrente nos periodicos da area: a formação. Trata-se de tema transversal nos campos de investigação que tem contribuido para o amadurecimento de pesquisadores iniciantes e tambem para aqueles ja consagrados por seus trabalhos e legados. E uma das maiores questoes sobre esse assunto e: em tempos de crise, formar para que?
Para oferecer respostas e caminhos a esta indagação, a Ensaio apresenta neste número artigos que tratam de diversos tipos de formação, como de professores e de pesquisadores, alem da ampliação do curriculo para melhorar o trabalho docente. Tambem sao abordadas as formacoes especificas para os professores que vao ensinar no campo ou que precisam aprender práticas inclusivas para trabalhar com criancas com necessidades educativas especiais. Sendo assim, o assunto tornou-se o fio condutor que une o conjunto de artigos que constituem este número.
E esta nao foi uma escolha aleatoria. Os textos se alinham à nossa missao de divulgar pesquisas cientificas que visem ampliar o debate e a disseminação de ideias na area educacional, assim como “espelham angústias da nossa epoca e do nosso espaco” (GOMES, 2017, p. 282).
O conjunto de artigos aqui apresentados esta em sintonia com a busca de uma melhor formação academica que permita ao professor melhorar em sala de aula, seja no âmbito da Educação Basica seja no âmbito da Educação Superior, ou mesmo em subareas tao distintas quanto a da Tecnologia da Informação e da Comunicação e a da Educação Especial. Afinal, conforme Paulo Freire (2002), formação, educação e ensino sempre estiveram lado a lado com a pesquisa:
Nao ha ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda nao conheco e comunicar ou anunciar a novidade (p. 14).
Iniciamos esta edicao do periodico com um texto de pesquisadores da regiao Nordeste que analisam as condicoes politico-institucionais relativas à gestao democratica do ensino público nos sistemas municipais de educação do estado do Piaui. Os autores, Raimunda Ribeiro e Elton Nardi, no artigo intitulado “Bases normativas e condicoes politico-institucionais da gestao democratica em sistemas municipais de ensino do estado do Piaui” discutiram a gestao democratica, a participação e a autonomia no conjunto das bases normativas dos recentes sistemas municipais de ensino daquele Estado, indicando o esforco por configuracoes convergentes com o principio da gestao democratica do ensino público. Os autores compreenderam que um dos pontos em causa era o avanco das condicoes para que o cidadão participasse direta e ativamente das decisoes politicas e de gestao da educação pública, a partir do conceito de democracia participativa.
Da regiao Centro-Oeste, temos o artigo de Bruno Teles Nunes, intitulado “Teacher education: is it beating its head on a brick wall?”, que tratou especificamente da formação dos professores que atuam na Educação Basica. Bruno Nunes utilizou os dados do Sistema Universidade Aberta do Brasil, para os anos de 2006 a 2015, e demonstrou como a maioria das vagas foram direcionadas à formação de professores, tanto para formação inicial quanto para a complementar. Com base nos números discutidos no seu texto, o autor concluiu que o Sistema UAB alcancou seu objetivo como politica pública indutora da formação de professores. Contudo, inferiu que problemas ligados à carreira docente acabam por desestimular os alunos a ingressarem e finalizarem os seus cursos. Seu artigo aponta caminhos para a resolução deste problema.
O terceiro artigo se insere no campo da Educação Superior e trata da formação de professor para atuar nos Institutos Federais. Os autores, Ailton Paulo de Oliveira Júnior, Martha Maria Prata-Linhares e Acir Mario Karwoski, da regiao Sudeste, verificaram, no artigo intitulado “Formação docente no contexto brasileiro das instituicoes federais de Educação Superior”, o atual contexto de ampliação e consciencia do papel de responsabilidade no trabalho docente por parte do professor, bem como examinaram a tendencia crescente de que a formação continuada seja mais uma nova forma de regulação profissional. Os resultados da pesquisa apontam para algumas acoes nos institutos federais que podem melhorar a formação docente, tais como a institucionalização de programas de formação com a criação de setores e coordenadorias e a valorização de programas de monitoria e de tutoria, ampliando a compreensao da docencia para muito alem do simples dominio das tecnicas de ensino.
O quarto artigo trata do entendimento dos professores lusos no que respeita à inclusao. Oriundo de Portugal, o texto dos pesquisadores Paulo Cesar Azevedo Dias e Irene Maria Dias Cadime, debate a realidade diferente da nossa – de um pais com cerca de 10 milhoes de habitantes e com um sistema educativo dividido em ciclos. Os autores recorreram a uma amostra de 118 educadores de infância portuguesa, a quem administraram um “inventario de inclusao” a fim de compreender de que forma as práticas inclusivas sao percebidas pelos educadores. Os pesquisadores destacam que parece existir um campo fertil para o desenvolvimento e avaliação de acoes de formação continua com o proposito de promover conhecimentos sobre as necessidades educativas especiais.
Estes artigos demonstram que para haver uma boa pratica docente, uma boa participação popular e um bom entendimento do que sao práticas educativas inclusivas e preciso existir uma boa formação. Tal premissa ja foi apontada por Dermeval Saviani (2011):
[...] O entendimento de que o trabalho docente e condicionado pela formação resulta uma evidencia logica, assumindo o carater consensual do enunciado de que uma boa formação se constitui em premissa necessaria para o desenvolvimento de um trabalho docente qualitativamente satisfatorio. Inversamente, e tambem consensual que uma formação precaria tende a repercutir negativamente na qualidade do trabalho docente (p. 17).
Da regiao Sudeste, temos tambem o artigo intitulado “A ‘realidade’ de cada escola e a recepcao de politicas educacionais”, dos autores Rodrigo Rosistolato, Ana Pires do Prado e Leane Rodrigues Martins. Em seu texto, os pesquisadores analisaram a Prova Brasil, procurando entender porque determinados setores criticavam a implementação desta politica pública – uma avaliação em larga escala –, quando eram favoraveis à avaliação de uma forma geral. Os autores perceberam que o principal argumento contrario às avaliações em larga escala e o suposto desrespeito às “realidades escolares” e entenderam que gestores de uma determinada Secretaria Municipal de Educação, gestores de escolas e representantes sindicais nao conseguiam compreender que as avaliações em larga escala nao pretendiam substituir as avaliações internas e que nao classificavam as escolas com base em criterios únicos. Segundo os pesquisadores, era esta falta de entendimento que levava às criticas à politica pública.
Adriano de Oliveira e Lucidio Bianchetti, do Sul, no artigo intitulado “Iniciação Cientifica Júnior: desafios à materialização de um circulo virtuoso”, fruto de pesquisa financiada pelo CNPq, abordaram a trajetoria da institucionalização da iniciação cientifica e da iniciação cientifica júnior no pais, tendo como pano de fundo a Universidade Federal de Santa Catarina, demonstrando como esta politica pública e relevante.
Do Chile temos o artigo intitulado “Percepcion de los profesores sobre integracion de TIC en las practicas de enseñanza en relacion a los marcos normativos para la profesion docente en Chile”, dos autores Marcelo Arancibia Herrera, Daniela Cosimo Fernandez e Roberto Casanova Seguel, que em sua pesquisa buscaram relacionar as percepcoes dos professores sobre o uso da tecnologia e sua ligação com uma politica pública denominada “Normas e competencias TIC para a Profissao Docente”.
Marilene Santos, da Universidade Federal de Sergipe, no artigo “Educação do Campo no Plano Nacional de Educação: tensoes entre a garantia e a negação do direito à educação”, analisou o direito à educação para as populacoes do campo e demonstrou a garantia desse direito nos documentos que fundamentam a politica educacional no Brasil nas últimas decadas.
Andre Chiappe, da Colômbia, e Silvia Irene Adame, do Mexico, no artigo “Open Educational Practices: a learning way beyond free access knowledge”, analisaram as práticas educacionais abertas, demonstrando como estas tem se tornado uma crescente tendencia educacional, baseada em Tecnologia de Informação e Comunicação. Os autores acreditam que transformar conteúdos educacionais e somente disponibiliza-los nao e suficiente para produzir inovação educativa. Para eles, a inovação exige que as práticas educacionais se tornem de fato abertas.
Para fechar a revista, na secao Pagina Aberta trazemos um artigo singular que tambem versa sobre formação e educação, mas com um enfoque que incide em areas aparentemente dispares: economia e neurociencias. O artigo de Diego de Carvalho e Cyrus Antônio Vilas Boas, intitulado “Neurociencias e formação de professores: reflexos na educação e economia”, discute as relacoes entre educação, macroeconomia e formação de professores. Os autores afirmam que, se os educadores estudassem neurociencias durante a sua formação, poderiam utilizar esse conhecimento para adequar seus metodos de ensino, aumentando sua eficiencia e preparando melhor novos profissionais para o mercado.
Formação, educação, pesquisa e ensino – esta e a gama de assuntos que esta edicao traz à tona para discutir com os leitores. Respondendo à nossa pergunta inicial, entendemos que, sem uma formação adequada, nao ha qualidade e acreditamos que, para haver qualidade e uma boa formação, as condicoes de trabalho tambem precisam ser levadas em conta. Sem pesquisa nao ha conhecimento e o conhecimento traz o desenvolvimento econômico e social. Assim, formação, educação, pesquisa e ensino se complementam e se completam.
Estamos cientes de que o número 98 e publicado em um momento de grandes mudancas politicas e econômicas no Brasil, as quais impactam na esfera educacional do pais, seja pelas transformacoes empreendidas pelo Ministerio da Educação (MEC) seja pela falta de recursos anunciada pelo governo Federal, que ate gerou uma emenda constitucional, por serem estes tempos de recessao.
Possivelmente neste ano – de Eleicoes e de Copa do Mundo – sera implementada de forma efetiva a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que regulara toda a Educação Basica do pais, trazendo alteracoes singulares em todos os curriculos. Sabemos que a produção de politicas e um processo complexo composto por diferentes forcas, contendo em seu âmago o desafio de dar voz aos diferentes sujeitos (DIAS; PONCE, 2015). Discutir toda esta pluralidade e papel do governo e da sociedade. A nosso ver, se todos levarem em conta que alteracoes significativas so serao conseguidas quando a Educação for eixo de um projeto de desenvolvimento nacional, a BNCC, enquanto parte deste projeto, podera de fato ser uma mudanca bem-sucedida, se houver um comprometimento do governo e da sociedade em prol de uma Educação que beneficie a todos.
Mas sobre este tema e sobre estas e outras mudancas muito ainda sera escrito e nos, certamente, teremos o que debater com os nossos leitores.
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SciELOReferências
DIAS, R. E.; PONCE, B. J. Formao docente frente s polticas no cenrio de centralizao curricular. E-Curriculum, So Paulo, v. 13, n. 4, p. 612615, 2015. Disponvel em: . Acesso em: 14 dez. 2017.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa. 25. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2002.
GOMES, C. A. C. EditoriaL. Ensaio: Avaliao e Polticas Pblicas em Educao, Rio de Janeiro, v. 25, n. 95, p. 277282, 2017. doi: http://dx.doi.org/.
SAVIANI, D. Formao de professores no Brasil: dilemas e perspectivas. Poesis Pedaggica, v. 9, n. 1, 2011, p. 719. doi: https://doi.org/10.5216/rpp.v9i1.15667
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